domingo, 19 de fevereiro de 2012

Partilhar o que ele escreveu para partilhar!

Quem é vivo sempre aparece... Aqui estou eu de volta.

Apenas para partilhar um achado, que andava perdido entre os vários backups dos velhos computadores que vão dando lugar a outros melhorzitos.

Procurava uma fotografia de nós os 4 (a mais recente onde aparecemos os 4, que foi na queima das fitas da minha irmã, em Junho de 2004... são o último registo fotográfico da minha mãe). Não encontrei, mas encontrei outras coisas... esta não posso deixar de partilhar aqui! Porque ele escreveu para partilhar com alguém. Não sei como, nem porquê, nem a quem. Nunca saberei! A única coisa que sei, é que resta-me a mim fazê-lo por ele.


Tem a data de 8 de Outubro 2007. Outubro, sempre aquele mês.


"Pai e Mãe


Falar sobre as nossas experiências dando conta delas ás outras pessoas, é ao mesmo tempo difícil e tentador.

Difícil porque abordar assuntos e casos que são do íntimo da família nem sempre nos agrada. Tentador porque por vezes isso de falar aos outros parece uma ajuda, um escape para algumas situações difíceis.

No conjunto, “adoçar” algumas passagens para com isso manter e guardar nesse intimo familiar as coisas mais nossas e poder dar conta da nossa experiência, pode servir para a comparação por outros entre aquilo que nós fazemos e outros fazem.

Claro que não há modelos do tipo, “pronto-a-vestir”, onde o mesmo número serve a todos do mesmo tamanho.

Não há casos iguais. Mas há muitas situações, se não iguais, por demais idênticas.


Falar da minha experiência da tarefa de ser Pai e Mãe, tem ainda a intenção, senão a principal razão, de prestar homenagem àquela que falta. Que partiu antes de tempo. De forma tão injusta e ingrata. Para ela. Para as filhas. E porque não, para mim.

Sempre se disse que depois das pessoas faltarem é que sentimos a sua falta.

Com o devido desconto de toda a carga que a expressão possa ter, ela não podia ser mais verdadeira.


Depois, sinto também como a necessidade de prestar um tributo a esta família, agora três fisicamente, mas que “nunca” irá deixar de ser quatro. Pode parecer forçado dizer isto e até pode ser entendido como o querer continuar a “agarrar” algo que não existe. Mas não. È assim mesmo. Em tudo o que fazemos, que dizemos, os nossos procedimentos, os hábitos, as regras de funcionamento em casa e não só. Tudo, sem excepção, continua a ter a marca, a “presença” da mãe.


Pode alguém pensar que o tempo, essa coisa incontrolável, tudo “arruma” e reorganiza. Mas o facto é que passados dois anos dessa triste e lamentável partida, cada vez mais sentimos, de forma natural, a presença Dela.


E para se poder perceber o que nos leva a agir e a pensar dessa maneira, temos de conhecer, quer como as coisas começaram, quer como Ela era e o papel que desempenhava nesta “equipa” que foi crescendo durante o percurso da nossa vida.


Também tenho intenção de falar sobre algumas coisas que Lhe marcaram a alma. Pela positiva e pela negativa. Talvez até mais por esta ultima. Acho mesmo que, sem saber ainda muito bem o que possa sair desta tarefa a que me proponho, referir alguns episódios dessas pequenas grandes coisas que vão construindo a nossa “passagem” e que moldam a nossa personalidade. Deixando e fazendo as memórias, que mais tarde recordamos. Partilhando com os outros amigos as boas e expelindo algum do “fel” que nos “morde”, descartando razões de como é ou foi injusta a atitude de outros em relação a nós.


Veremos. Para já, a estratégia que está definida na minha cabeça, passa por traçar algumas pequenas coisas que darão consistência a muito do que depois nós somos (fomos) e fizemos. De como construímos a nossa família. Do esforço (?) feito para moldar a nossa vida de conjunto aos parâmetros que em nosso entender eram e são os justos, os correctos. Traçando as linhas do bem e do mal. Para nós. Que o mesmo é dizer para os nosso filhos.


Veremos. Se conseguirei depois elencar, escolher, recordar entre tantas coisa e tantos momentos. Se há coisa de que não tenho dúvida, é que tivemos uma vida rica de experiências, de amizades, sinceras e falsas. Uma vida partilhada, mas sobretudo muito cheia. Onde a união era normal e não forçada. Éramos e somos de facto quatro e agora estamos apenas três.


Não acredito em nada do que possa estar para além do terrestre e do físico, mas apetece-me dizer;

- Estejas onde estiveres, queremos que continues a ter orgulho de nós como sabemos que tinhas enquanto viva.

Nós temos muitas saudades, mas muito orgulho de ti. Crescemos com as lágrimas que teimam em rolar quando ouvimos outros, aqueles que sabemos sentidos, dizer coisas tão bonitas acerca de ti. Mesmo quando falam naquelas tuas teimosias, naquele feitio tão exigente e rigoroso, que nós hoje compreendemos melhor que antes.


Veremos se estarei à altura de preencher algum do espaço que deixaste junto das tuas filhas ou se falho. Isso é algo que me atormenta, que me tira o sono em muitas noites mal dormidas. Habituei-me rapidamente a pensar como se fosses tu. Se isso é possível. Mas antes de decidir algo em relação a elas, penso primeiro como tu farias e não como me apetecia a mim decidir sobre isso. Sobretudo nas coisas em que eras mais tolerante que eu. Nas saídas, nas noitadas, nos namoros. Enfim naquelas coisas em que as mães melhor compreendem as filhas do que os pais ciumentos. Depois também o contrário. Ralho alto quando encontro as coisas desarrumadas, as roupas espalhadas pelo chão do quarto e na casa de banho. Não aceito as desculpas esfarrapadas da falta de tempo e do atraso para o trabalho ou escola. Levantem-se mais cedo. Aí, era eu o mais condescendente. Talvez porque também infractor, algumas vezes. Mas o teu critério exigente eu procuro agora assumir. E nunca hesito em chamar-te à liça.

“-Se a mãe fosse viva, como era meninas? Tinham isto assim?”


Afinal, quando também não eras capaz no momento, de arranjar motivo melhor para lhes chamar a atenção, dizias muitas vezes;

“- Meninas, não façam isso ou aquilo, nem vão aqui ou acolá, porque o pai não gosta ou não quer.”

Ou então;

“- Eu não digo ao pai o que fizeram que nem sei o que ele vos fazia.”

Ora, eu nunca era capaz de melhor do que apresentar o semblante franzido e armar aquele ar de pai rigoroso. Apenas perdi o controle com elas duas vezes. Uma cada e ambas pelas mesmas razões. Namoro exibicionista. Ainda hoje não aceito. Adiante."