terça-feira, 22 de outubro de 2013

3 anos


Oficialmente faz hoje 3 anos anos que o meu pai partiu. Para mim, conta o dia de amanha, já que era meia-noite do dia 23 quando o enfermeiro lhe media as pulsações e não percebia como é que ainda havia registo de batimentos cardíacos e não sentia respirar, nem havia tensão arterial… "o seu pai devia ter um coração muito saudável" dizia espantado o enfermeiro. Mas o coração não lhe chegou… 
Na prática, ele partiu alguns dias antes, não sei precisar quantos, porque foram semanas em que os dias deixaram de ter horas, deixaram de ter início e fim, as noites e os dias eram iguais. 

Primeiro deixámos de perceber quando era de manha, porque ele deixou de querer (conseguir) levantar-se para fazer a higiene pessoal. A última vez que o fez ficou de rastos. E no dia seguinte perguntou já quase em modo sonâmbulo de olhos fechados e cara caída, sentado na cama em frente ao espelho, se tinha mesmo de ser. Não, claro que não tinha de ser. Nada daquilo tinha de ser! Entretanto levantou a cabeça, viu-se ao espelho e com ar derrotado inclinou-se. "Deitem-me sff" 
Desde aí nunca mais tivémos a porta do armário com o espelho virado para ele. O armário passou a estar sempre aberto, de forma a que não se conseguisse ver. Depois disso, acabaram-se também os horários dos medicamentos, quando passou a ter morfina a tempo inteiro e em contínuo. 

E a partir daí, sabíamos que tinham passado mais 12 horas, quando nos tocavam à campainha e era a enfermeira que vinha render a que estava ao serviço. 

Eu e a minha irmã dormíamos por turnos, nos primeiros tempos no outro quarto, nos últimos dias já nem do quarto dele saíamos. Foi provavelmente quase uma semana sem arredar pé. Saíamos do quarto apenas para comer, à vez. E porque nos obrigavam. "Vocês têm de descansar e de sair daqui, apanhar ar!" 

Eu nem queria perceber que havia vida lá fora. Para mim o mundo era aquele quarto. Cada vez que ouvia barulhos lá fora apetecia-me gritar "calem-se!!!". Não era só por mim. Era sobretudo por ele. Eu não queria que ele sentisse que a vida continuava e que ele estava ali, fechado e condenado. Não queria que ele pensasse. Não queria que ele sofresse. Olhos que não vêm, coração que não sente. 

Das poucas vezes que saí de casa, foi para ir buscar medicamentos, ou à farmácia, ou ao hospital. Lembro-me que da última vez, tive de sair da farmácia a correr porque desatei num pranto completamente descontrolado. E só queria voltar para casa para perto dele. Rápido! 

Com o passar das horas, dos dias, ele foi-se afastando, caindo num sono cada vez mais profundo. A última coisa que ele disse, foi "que dia é hoje?!". E não quero mentir, mas acho que foi no dia 18. 

Todas as enfermeiras diziam que, apesar de estar num estado inconsciente, devia conseguir ouvir. Por causa disso tínhamos uma regra, que já tinha sido imposta por ele próprio na altura da minha mãe, que era: ninguém chora no quarto. Ele não queria que ninguém chorasse ao pé da minha mãe, e nós fizemos o mesmo com ele.

Também ainda lhe sussurrei umas coisas ao ouvido, uns 2 ou 3 dias antes. Prometi-lhe que íamos cumprir com o que ele nos pediu: que nos daríamos sempre bem e seriamos sempre amigas uma da outra (eu e a minha irmã).Prometi-lhe que ia tentar continuar com a minha vida, mas também lhe disse na altura, que achava que isso ia ser impossível. "eu não sei viver sem ti pai" disse-lhe. Não sei se ele ouviu, mas gosto de acreditar que sim. Porque, naquele momento, isso era uma verdade absoluta. 

3 anos depois, consigo constatar que afinal consegui seguir com a minha vida para a frente. Sem a minha irmã e sem o Fábio, provavelmente isso não seria possível. Sem a força brutal da minha irmã, eu não estaria agora aqui… 

Foram, sem sombra de dúvidas, os piores dias da minha vida e acho que posso falar pela minha irmã também. 
A sensação de impotência, de não poder fazer nada e ficar a vê-lo a ir-se, a definhar aos poucos. O meu pai, para mim figura máxima de força, vitalidade, saúde, robustez. Rijo, duro, forte! Suportava tudo, aguentava tudo, agora estava ali… deitado, magro, frágil, sem força, sem vida. 

Mais do que o momento da sua morte, foram os dias em que foi morrendo, que mais me doeram. E esses dias nem foram os últimos, mas foram os anteriores, aqueles em que ele ainda estava consciente do que lhe estava a acontecer. Aqueles em que chamou o meu tio ao quarto e lhe disse o que pretendia fazer e lhe passou o testemunho. Esses sim, foram os piores dias da minha vida. Em que eu o via a agarrar-se à vida e a não conseguir. E eu sem poder fazer nada para o salvar. 

Estes dias, que foram na totalidade mais de um mês, pude estar a tempo inteiro do seu lado. Mesmo antes disso, mesmo no período em que ele ainda saía de casa. Em Agosto. 
Nos últimos dias de Agosto ainda fomos os dois, ele apoiado em mim, dar uma volta ao quarteirão. E com a luz do dia vi os olhos dele. Completamente amarelos, tal como a sua pele. E olhámo-nos nos olhos e sem dizer nada ele percebeu a minha angustia e o meu medo e disse-me com um ar descontraído e animado "antes amarelo que roxo". 

Todos estes momentos, que são dezenas, centenas deles, devo-os à Rita e Alexandra, minhas chefes na altura (e grandes amigas na altura e hoje) que desde o início me permitiram ficar em casa com ele. O normal é que as pessoas tenham de continuar a trabalhar, a cumprir com os seus deveres… mas eu tive a sorte de ter duas amigas que me disseram "fica o tempo que precisares, nós temos tempo". 

O tempo dele é que se esgotou. Demasiado cedo.
Mas foi um homem feliz!



sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Texto escrito faz hoje precisamente 10 anos


Sábado, Outubro 04, 2003

Mau Cheiro em Alcanena  

(Autor do texto - Carlos Cunha) 

Já é tempo de acabar com a falta de qualidade do ar que respiramos em Alcanena. 
Durante algum tempo, a explicação era a “mexida” nas lamas que estavam a ser acondicionadas em local próprio. 
Os demais elementos da ETAR, estando concluídos no essencial, não serão (?) motivo para o mau cheiro que se faz sentir, normalmente durante a noite e agora, por vezes, até durante o dia (sempre que se verificam saltos térmicos significativos). 
Não há notícia de trabalhos na ETAR. 
Não há informação pública. 
O povo acomoda-se, cala-se e discute coisas de somenos importância. 
O que faz a câmara municipal ? segue o povo... 
A autarquia pode e deve agir. Faz parte da administração da AUSTRA. 
Exigir explicações e informar os munícipes era o mínimo. 
A câmara pode e deve exigir que se tomem medidas para eliminar esta situação. Não se trata de vir para a praça pública acusar a industria ou o governo central. 
Em primeiro lugar a autarquia deve exigir documentalmente, as razões que justifiquem este estado de coisas. A partir daí saberá (?) quem é responsável por resolver o problema e pode então exigir as acções necessárias. 
A câmara tem todas as condições para estes procedimentos, se se souber impor com respeito e rigor. 
(...)
De 1986 a 2000 a autarquia fez propostas ao Estado e aos Empresários, encontrou soluções, angariou milhões de contos para obras, promoveu e executou, exigindo sempre e conseguindo a colaboração de todos. 
Fizeram-se coisas e liderou-se o processo. 
Criou-se um Sistema, organizaram-se os industriais, a ETAR concluiu-se e começou a funcionar, construiu-se um aterro sanitário e acabou-se com o flagelo das raspas azuis, conseguimos um aterro para as lamas. 
Estas coisas não caíram do céu. Lutámos por elas. Tivemos uma estratégia clara, sabíamos o que queríamos. Batemos o pé a Ministros e Secretários de Estado que nos respeitaram e que nos deram o que tínhamos direito. 
Porquê agora tudo estar parado ? 
E o pior estará para vir. O processo não pára e o sector, não se tomando medidas atempadas, vai sofrer por isso, mais cedo do que se possa pensar.
Depois talvez não tenhamos mau cheiro.
Teremos desemprego, fábricas em ruínas e o desenvolvimento a passar ao lado do concelho...
É preciso PENSAR sobre estas coisas.
Estes são os reais problemas de Alcanena. 

Carlos Cunha